Existe um buraco entre cada um de nós e a nossa imagem, seja aquela que vemos no espelho, seja a que supomos ver nos olhos do Outro. Essa peça que falta, com a promessa de integrar nossa imagem, é sempre a peça que nos põe no jogo da vida.
Nesse jogo, onde a toda hora tropeçamos no insuportável desse interno vão, buscamos o encontro que nos complete, e é nesse “jogo do amor que a gente se perde”, como disse Lacan.
Quantas vezes já dissemos ou ouvimos alguém dizer “você é a razão da minha vida”? Pois, o que parece um presente, embrulhado em celofane, é na verdade um atestado de óbito. O amor não pede, não reivindica, e nem aceita a transferência da “razão de viver” do sujeito, que assim enuncia, para o objeto destinatário do seu amor. Nunca o amor aceita serventia.
Freud disse que por onde ele passava, antes, já tinha estado um poeta. Um perfil aqui do Instagram – virgule-se – publicou Fernanda Montenegro lendo “A Pequena Morte” de Eduardo Galeano. Segue:
"Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce."
É isso: Se o amor não nos conduzir à nossa própria vida – incompleta e andarilha – melhor procurar outro nome, não é amor.
Comments