Quando ele chegou ao consultório me disse “Segui o roteiro que escreveram pra mim até aquele dia... mas, de repente a página estava em branco... foi a página em branco que me trouxe à análise.”
A gente está pronto pra morrer desde o dia que nasceu. Mas, e pra viver? E pra seguir os caminhos – uma parte sonho, outra parte dor? E pra inventar o amor, e se lançar a ele? E pra perder de vista o cais, atravessados de solidão? E pra cruzar os mares da noite e as tempestades no meio do verão? E pra deixar partir? E pra, mesmo não deixando, ver o outro romper, num adeus, o limiar do portão? A gente está pronto pra ver o filho nascer? E crescer, diferente do que projetamos? Estamos prontos pra receber o diagnóstico que vira a vida do avesso? Causar a dor que nem queria causar? Causar a dor que a raiva e o ressentimento, supostamente, legitimaram? A gente está pronto pra trabalhar mais do que tudo ou pra ficar, de repente, sem sustento nem realização? E pra virar o jogo na corda bamba do equilibrista? A gente está pronto pra sustentar o próprio passo? E pra ficar dependente, e ainda assim querer viver? A gente está pronto pras flechas do acaso e pro preço das escolhas? E das conquistas?
Diante da página em branco, não estamos prontos nunca, o jeito é acreditar no poeta e inventar o sonha-dor.
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